O minúsculo grão e o solo infértil
Adão sempre trabalhara nas
terras de seu pai e fora feliz. Nunca precisara tomar nenhuma decisão, nenhuma
incerteza existira e a fartura para o corpo e para a alma fora constante.
Porém, havia crescido e chegara a hora de deixar a casa paterna por
determinação irredutível do pai. Apelara para deixá-lo ficar que faria qualquer
serviço. Mas o pai fora inflexível e dissera que quando a hora é chegada nada
se pode fazer e ele teria que seguir por seus próprios passos. A casa estaria
sempre aberta para o caso de necessidade extrema, mas teria que construir seu
próprio lar.
Ele foi embora com seus poucos
pertences em direção a um pedaço de terra que seu pai lhe legara para plantar e
desenvolver seu próprio sustento. Enquanto caminhava pelas terras férteis de
produtos agradáveis ao sustento corporal e espiritual sonhava com suas terras
que deveriam ser tão paradisíacas quanto as de seu pai. Percebeu então que
nunca notara especialmente o quanto fora feliz naquele lugar. Na sua juventude
e inocência não podia imaginar que houvesse lugar que não fosse tão bom quanto
aquele.
Após caminhar solitário por
alguns dias pelas terras de seu pai, encontrando sempre sustento e abrigo na
natureza e nas habitações dos servos espalhadas pela propriedade, chegou ao
limite das suas. Qual não foi seu espanto quando viu que suas terras eram
completamente estéreis e sem vegetação, pareciam mais com um deserto. À medida
que entrava na sua herança começou a se sentir acalorado e ressequido, mais do
que isso, se sentiu revoltado contra seu pai. Como pudera ter lhe legado uma
terra ruim depois de tantos anos de serviço dedicado. Sentou-se à beira do
caminho em desespero e procurando pensar em como fazer para tirar daquela terra
ruim o seu sustento e seu deleite. Adão pensou muito tempo inerte e em
desespero mudo, incapaz de tomar qualquer iniciativa, mas passado um longo
tempo começou a andar sem rumo tentando achar alguma coisa naquelas terras que
pudesse servi-lo. Não pode achar. Quanta saudade ele sentia de seu pai e da sua
casa, apesar do que lhe fizera! Só então pode compreender a felicidade passada.
Com tristeza e desespero passou fome e sede por vários dias comendo e bebendo
das poucas raízes duras e das fontes amargas que pode encontrar. Volta e meia
visitava as terras de seu pai, mas não ia muito longe com medo de desagradá-lo,
pois ainda o amava e respeitava. Nestas visitas podia colher o pouco que
encontrava de frutas suculentas e água fresca. Muito sujo, maltrapilho, barba e
cabelos por fazer, um dia, depois de muito tempo passado, levantou a cabeça e
olhou mais longe para o interior temido de suas terras, abarcando com a vista
toda a paisagem. Aquela paisagem monótona cinza amarelada igual por todos os
lados o desagradou enormemente. A repulsa foi tamanha que mesmo as poucas ervas
daninhas que encontrava lhe pareceram belas ainda que completamente inúteis
para saciar a sua fome. Resolveu então plantá-las perto de seu abrigo para ter
ao menos um jardim verde para atender ao seu anseio de beleza. Quando saia para
coletar comida sempre trazia mudas, galhos e sementes destas plantas, às quais
regava com um mínimo de água ruim que podia desperdiçar. O que o surpreendia e
lhe provocava admiração era a dificuldade que tinha para arrancá-las do solo,
pois tinham raízes muito profundas e resistentes, e também a facilidade como
germinavam e sobreviviam naquele solo ressequido.
Passados alguns anos a região em
torno de seu abrigo estava coberta de ervas daninhas e a paisagem, se bem que
não fosse bela, não possuía a feiura de outrora. Até mesmo uma fonte de água
salobra no meio deste matagal se tornara mais doce e fresca. Lentamente o solo
ao derredor foi ficando mais fofo e úmido, pois o sol não mais o castigava
devido à proteção fornecida pela vegetação ruim. Adão então reparou que as
raízes das quais se alimentava passaram a crescer maiores e mais suculentas,
tentou então plantá-las sobre a proteção das erva daninhas, mesmo que antes
isto não tivesse dado certo, afinal o solo já não parecia como o de antes.
Desta vez obteve sucesso e, se bem que não houvesse fartura, já não passava
fome.
Começaram a aparecer pequenos
répteis e insetos e até mesmo anfíbios na pequena lagoa que se tronara a fonte
no centro do seu feio jardim. Notando que sentira muita falta de pássaros e
flores, passou a imaginar como faria para atraí-los e onde arranjar sementes.
Lembrou-se que nas terras de seu pai havia uma espécie de arbusto espinhento
que produziam frutinhas que os pássaros adoravam. Mesmo não servindo para
alimentação humana Adão foi às terras de seu pai e trouxe sementes que espalhou
pela região. Algumas poucas vingaram trazendo esperança para Adão que no futuro
outras o fariam e os pássaros logo viriam habitá-las. E assim se deu e algum
tempo depois Adão começou a ser acordado com o cantar madrugador de várias
espécies de pássaros e durante muito tempo ficou feliz neste paraíso
particular.
Mas Adão sonhou. Havia tanto
tempo que não sonhava por estar tão cansado dos longos dias à procura de comida
e realizando melhorias que dormia como uma pedra sem lembrar-se dos sonhos que
tivera. Naquela noite dormira mais descansado, pois o dia fora leve e com uma
chuva forte que nunca tinha acontecido naquela região. Que benção dos céus, que
frescor! Mas sonhar fora uma graça que o deixara muito infeliz. Sonhou com a
casa do pai tão ampla e cheia de quartos, com árvores frondosas para sombra e
frutas que deixavam tão fresca a varanda ao entardece quando costumava
descansar em uma rede confortável. Acordou em seu abrigo que mais parecia uma
toca para animais selvagens e, saindo para saudar o dia não viu árvore que
pudesse protegê-lo do sol inclemente do meio dia. Tomou o seu desjejum que não
passava de uma cuia de água e algumas raízes variadas e lembrou-se da mesa de
seu pai sempre cheias de pães, bolos, geleias e tantas coisas mais, ficando
ainda mais triste. Estivera tão feliz por estar conseguindo melhorar as
condições de satisfazer suas necessidades básicas de alimentação e beleza que
esquecera que elas poderiam ser muito maiores.
Naqueles dias, passeando por
suas terras visitando fontes e vales abrigados, adquiriu confiança para fazer
uma primeira visita a seu pai, afinal não se tornara digno pelo trabalho que estava
realizando? Adquirira o hábito de levar sementes e mudas sempre que saia a
passear para espalhá-las por onde passasse e toda a sua propriedade estava verde.
Não produzia ainda alimentos nobres, mas o solo tinha se tornado mais fértil.
Saiu então um belo dia a caminhar em direção à casa paterna para pedir auxílio
e algumas sementes de cereais e de árvores frondosa. Entrou na propriedade de
seu pai sem perceber exatamente onde terminava uma e começava a outra, uma vez
que a vegetação mudava agora bem suavemente, e isto o alegrou. Começou a
caminhar mais rapidamente cheio de animação até que chegando à primeira
plantação de seu pai encontrou, vindo em sua direção, um dos servos
agricultores. Assim que se saudaram, o servo comunicou-lhe que seu pai soubera
de sua chega e, para poupar-lhe tempo, mandou trazer uma variedade sementes,
algumas roupas novas e ferramentas adequadas ao cultivo do solo. Ele ficou
muito feliz pela preocupação de seu pai, mas bastante decepcionado por não
poder receber um abraço carinhoso que tanto almejava. O servo então lhe disse
que seu pai o estaria esperando de braços abertos assim que cuidasse do plantio
daquelas sementes e da colheita daquela primeira safra.
Com grande esperança voltou Adão
para sua propriedade, ansioso para iniciar logo o plantio, colher alimentos em
abundância e poder visitar seu pai frequentemente com a certeza da tarefa
cumprida. Assim que chegou em casa logo espalhou as sementes nos terrenos que
achou mais propícios: as árvores em torno do seu abrigo e as sementes em vários
terrenos planos que limpou e arou antes. Pouco tempo depois a dura realidade
bateu em sua porta, ele tinha passado a sua juventude, mesmo que operoso,
despreocupado em aprender os negócios do pai. Desfrutando dos prazeres da
fartura, não aprendera nada sobre solos, plantas, cultivo. De todos os lugares
em que plantou muito poucos produziram alguma coisa e mesmo estes foram pouco
produtivos. Em alguns lugares o solo era incapaz de reter a umidade que vinha
das fontes celestes das nuvens por serem pouco encorpados, pedregosos ou
arenosos, e tinham que ficar protegidos do sol inclemente pelas ervas daninhas.
Em outros lugares, muito próximos de onde plantara os arbustos espinhos onde os
pássaros nidificavam, as sementes serviram de alimento aos que se alimentava do
que havia próximo ao chão. Ele amava tanto estes arbustos e os pássaros, como
podiam retribuir desta forma? Nos lugares mais próximos da antiga fonte, que
agora jorrava com abundância deixando o solo sempre úmido, a colheita foi melhor.
Mas mesmo tendo limpado o terreno antes do plantio as sementes da vegetação
anterior tinham ficado no solo e nasceram junto com o que havia plantado. A
colheita fora muito dura e arrancara tanto as plantas úteis quanto as ervas
daninhas precursoras, separando-as posteriormente. Naquele ano não foi visitar
o seu pai, pois estava muito cansado e desanimado. Pelo menos as árvores tinham
nascido e cresciam bem, mas como toda árvore levaria anos até fornecer uma
sombra apreciável.
No ano seguinte Adão passou a
visitar os servos agricultores de seu pai enquanto trabalhavam para pedir
conselhos. Sempre foi muito bem recebido e todos lhe davam atenção e ensinamentos,
por fim, acabou fazendo amizade com muitos deles. Um destes, por quem mais
simpatizara, passou a visitá-lo de vez em quando para ensinar-lhe a arte de
preparar o solo, semear e colher. Aprendeu que todo solo só produz aquilo que
está preparado para produzir e que, com muita paciência e mais trabalho ainda,
eles podem ser transformados em solos produtivos. Aprendeu ainda que nenhuma
planta ou animal era ruim e que cada um tinha seu papel no estágio evolutivo do
solo, que mesmo os solos férteis sem cuidado e vigilância acabavam por produzir
mato. Este amigo mensageiro de conhecimentos e esperança disse-lhe que se a
cada ano ele replantasse as plantas alimentícias e arrancasse as ervas daninhas
antes de produzirem sementes, elas iriam diminuindo até que não fossem mais
problemas. E assim fez Adão muitas vezes durante alguns anos e, sem que
percebesse uma mudança brusca, a sua propriedade estava ficando parecida com a
de seu pai.
Em um dia ameno em que
descansava na entrada de seu abrigo após mais uma colheita realizada, reparou
que as árvores que plantara estavam muito altas e encorpadas, algumas com
flores e outras com frutos, mas todas abrigavam aves diferentes daquelas que
faziam ninhos no solo ou nos arbustos. Percebeu então que logo teriam material
suficiente para construir sua morada. Neste momento percebeu que chegara a hora
de visitar seu pai. Vestiu sua melhor roupa, calçou sua sandália de viagem, e
começou a mais feliz caminhada de sua vida.