Benvindo

Este deverá ser um espaço onde amigos compartilhem suas criações e as discutam. Se desejar entre em contato para discutirmos o desenvolvimento do blog e participações. delbenbr@hotmail.com

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

LOBO MAU


Herbert fora o sétimo filhote macho a sair da barriga de sua mãe, Canis. Seu pai, Lúpus, ficou muito feliz, se bem que uma pequena preocupação o incomodava. Ele não era muito estudado e acreditava em muitas superstições. Diziam nas reuniões com os amigos, quando paravam para uivar para a lua nas noites de lua cheia, que o sétimo filho macho a nascer podia virar homislobo. Como isto era besteira resolveu esquecer a bobagem e agradecer à Natureza a bela ninhada da qual era pai.
Herbert cresceu sempre alegre e brincalhão como só o são os filhotes de lobo. Se bem que sempre fora bastante egoísta, queria tudo para si e na mesma hora. Já quando pequeno brigava para mamar em mais de uma teta da sua mãe tentando impedir que algum dos irmãos também recebesse aquela dádiva bondosa. À medida que crescia passou a buscar satisfação exagerada em tudo que fazia: queria ir mais longe quando a mãe pedia que andasse por perto, queria comer mais que a sua porção da caça trazida pelos pais quando sabia que tinha que dividir com os irmãos e gostava de brincadeiras mais brutas quando os pais haviam imposto limites. E assim o tempo foi passando. E Herbert foi ficando cada vez mais diferente de seus irmãos.
Quando chegou à adolescência ele parou de andar com o bando nas noites de lua cheia para uivar e celebrar a beleza da noite e reafirmar a unidade do bando. Ninguém sabia para onde ia, ficava dias fora e, após voltar, passava alguns dias esquisitão. Por esta época os outros lobos passaram a chamá-lo de lobo mau. Ele havia posto a alcatéia de lado e, lentamente a alcatéia o colocou de lado também: não havia o que fazer para re-inseri-lo na comunidade dos lobos bons.
Herbert nem mais saia para caçar os deliciosos cervos, porcos e outros bichinhos da vizinhança. Quando a alcatéia saía para caçar paravam a caçada assim que obtinham o suficiente para saciar a fome de todos. Ninguém sentia prazer em caçar, a não ser pela velocidade e pelo vento, mas satisfação e gratidão pela generosidade da natureza. Já Herbert parecia sentir prazer em abater o maior número de animais, como se fosse uma competição. Começou então a ser comentado, principalmente pelas lobas mais velhas, que ele era um homislobo que se transformava no período de lua cheia. Lupicínio, um jovem lobinho muito curioso ouviu uma destas conversas quando duas fêmeas conversavam sem perceber que ele estava por perto. Este não era um assunto a ser tratado com os mais jovens.
Lupicínio então passou a observar Herbert mais de perto procurando perceber o que é que o tornava um Homislobo. A não ser as esquisitices que todos já conheciam ele não viu nada demais, até que chegou a lua cheia. Herbert desapareceu e só voltou na lua minguante. Voltou mais gordo e com papadas debaixo dos olhos. Lupicínio ficou ainda mais curioso e se determinou a não perder Herbert de vista na próxima lua cheia, mas para sua frustração, isto acabou por acontecer de novo muitas vezes. Mas a cada vez aprendia um pouco mais sobre os hábitos de Herbert e, como acontece com todos os lobos, crescia e aprendia os métodos de caça rapidamente: ficou hábil nos métodos de espreita e perseguição. Numa noite de início do período de lua cheia pode seguir Herbert.
Lupicínio viu Herbert se afastar sorrateiramente da alcatéia logo que a noite caiu. Muito cauteloso Herbert parou várias vezes para verificar se não o seguiam, mas Lupicínio estava mais cauteloso ainda e conseguiu seguí-lo até uma clareira na qual chegaram momentos antes da lua cheia despontar no horizonte. Naquele lugar Lupicínio viu algo que pensou ser a coisa mais horripilante que podia existir, o que logo perceberia estar errado. Herbert entre espasmos de dor e prazer se transformou na criatura mais cruel e insensível com a natureza e com as criaturas: num homem. Lupicínio sentiu enorme pena de Herbert, e um quê de revolta. Não poderia haver destino mais cruel para um lobo. Herbert seguiu por uma trilha aberta pelos homens de uma aldeia próxima até chegar a uma suja toca de homens um pouco distante do lugar em que os homens viviam. Lá ele se cobriu com o que Lupicínio pensava ser a pele dos homens e seguiu para o lugar dos homens.
Nos dias que se seguiram Lupicínio pode entender o horror com o qual os mais velhos falavam dos homislobos. Viu Herbert participar de reuniões ruidosas, briguentas, nas quais se comia além do necessário e bebia-se um líquido que o tornava insano e cruel. Seguiram-se dias de matanças que era o modo de caçar dos homens. O horror máximo de Lupicínio foi presenciar Herbert participar de uma caçada aos próprios irmãos lobos. Percebeu que os homens, diferente dos lobos, não respeitavam a natureza nem a si mesmos e que as suas maneiras ruidosas, inquietas e muitas vezes cruéis eram formas de mascararem a dor de serem homens. Lupicínio, deste dia em diante, ficou mais triste, embora satisfeito e em paz por ser um lobo e não um animal tão selvagem como um homem.
José Renato Delben

Nenhum comentário:

Postar um comentário