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quinta-feira, 9 de abril de 2009

O pirata e o tesouro




Na proa dos barcos reconhecemos
os ventos tropicais.
Um cais torna-nos marinheiros
de um destino sem remorsos.
Ninguém põe em causa a perfeição
do vôo das gaivotas nos corpos dos meninos
que rebolam, pela areia, a inocência do olhar.
Há uma rota, plural de outras rotas,
que pressente naufrágios a poente dos afectos.
Sal que vicia os lábios e magoa
como um punhal de sede.
Braço de água-doce
comprometido com um mar inacessível.

Graça Pires
De Conjugar afectos, 1997




Saíra na tenra idade para enfrentar procelas. Não queria a calmaria. Gostava da luz pagã que descia das nuvens em estrondo. Gostava do trovão. Thor, torrente de luz violenta e fugaz. Foi ser marinheiro. No mar enfrentaria tormentas e zombaria do vento e das ondas. Buscaria tesouros e botins e os gastaria entre ruídos, gritos e risos. Enfrentaria calmarias e tormentas, percorreria mil distâncias para momentos de trovão e glória. Nada, nem ninguém, o impediria de sugar da vida tudo que ela pudesse dar. Arrogante frente aos homens e orgulhoso frente a Deus, amealhou riquezas e gastou-as todas, cada momento finda-se em si. Percorreu os sete mares, os mil pesares,os cem mil prazeres e seguiu em frente.
Mas num dia estranho em que o céu estava límpido e o mar estava calmo viu uma escuna ao longe. Que construção mais elegante, que bordejar a barlavento e a sotavento tão precisos e despretensiosos! Parecia tão bem construída para o mar que o mar a acariciava conduzindo-a a bom porto. Devia ser uma nau do rei. Encantado e cobiçoso a perseguiu. Pois que tesouros não poderia conter? E a cada bordejar delicado, enquanto a seguia, mais se encantava.
Por fim a alcançou. E depois de luta feroz durante a qual nunca sentira tanto medo a tomou de assalto. O medo não era do insucesso, mas sim de ferir e destruir tanta beleza e elegância. Mas a cobiça do belo e do valor falou mais alto e invadiu seu convés exigindo rendição. A tripulação daquele navio, nobre de condição e de espírito, não ofereceu resistência, a não ser a pacífica, e viu até bondade onde só havia fúria. Entregou seus tesouros guardados no porão. O Pirata embevecido pelo seu entorno de finos entalhes e adereços do navio não viu a principio o tesouro que estava sendo saqueado e transportado para o porão do seu navio.
Terminado o glorioso embate retornou vaidoso da sua vitória para seu navio. E o achou pavoroso. Tinha sido conquistado no espírito. Invadira de maneira cruel e inconseqüente e fora invadido pela beleza e suavidade da outra nau. Que lugar feio o que vivia. Mas a legião dos seus asseclas exigiu que o tesouro amealhado fosse levado como premio da glória conquistada e ele sem forças atendeu.
Mas ele não era mais o mesmo Pirata, havia mudado. Como capitão de seu navio foi conferir o tesouro roubado. E que surpresa! Quanto ouro e pedras preciosas! Mas não eram moedas ou objetos grosseiros que haviam sido feitos para que cobiçosos juntassem riquezas em seus cofres, parede e aposentos disfarçados de arte. Eram objetos tão belos feitos por artistas que não só tinham conhecimento da arte com amor por ela. E uma dor imensa confrangeu-lhe o peito. Como poderia gastar aquele tesouro sem derretê-lo em lingotes ou moedas? E o belo? O maior valor daquele tesouro não era o ouro e as pedras, mas a finura de sua constituição, e gastá-lo seria corrompê-lo. Passou semanas recluso em sua cabine e na sala do tesouro. Meditou, pensou, ponderou e decidiu. Iria guardar aquele tesouro em lugar seguro e protegido, esconde-lo de tal forma que nenhum dos outros Piratas do seu navio pudesse achar. Percorreu as Antilhas, o mar do Japão, da China e do Pacífico sul até achar a ilha mais deserta, inóspita e árida na sua busca. Encontrou.
Capitão e senhor absoluto de seu navio e da Legião que o acompanhava, como até então achava, descobriu que só o fora pelo consentimento de seus asseclas. Enquanto fizera a vontade deles fora senhor, mas descobriu que escravo também fora. E a Legião queria gastar todo o tesouro nos bares das Antilhas e Tortuga. A partir deste momento ficou só de tornar-se uma ilha inóspita e deserta afastada de toda a civilização, já não fazia parte da turba e não tinha mais companheiros. Então apelando pela cobiça e imediatismo da tripulação convenceu-os de que tamanho tesouro só dificultaria a navegação rápida e a caça de outros botins. Poderiam voltar depois para buscá-lo quando tivessem juntado bastante para gastar com excessos. Transportaram todo o tesouro para aquela ilha deserta e o enterraram no solo arenoso tão quente que lhes queimava os pés e as mãos. Mas no Pirata queimava a alma.
No dia seguinte foram-se para a imensidão azul. Todos olhavam à frente nas suas tarefas em grande buliço ansiando por mais aventuras, Menos o Pirata. Ele ficou na popa olhando para traz.

4 comentários:

  1. Tesouros que roubam a alma... Tenho muitos, enterrados em ilhas remotas, esquecidas, apagadas da memória. Tesouros que roubam a alma... Tenho muitos, com suas localizações, latitudes, longitudes, passos à esquerda e marcas de "X" registrados em mapas gravados na minha cara.
    (Eugênia Amaral - a que só consegue postar comentário quando assume um falso anonimato... que ironia!)

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  2. Um tesouro a queimar a alma. Uma ilha adiada no peito...
    Um belo texto! Obrigada pela epígrafe. Um abraço.

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  3. "Onde estiver o teu tesouro, aí estará também o seu coração"

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  4. Abri um blog Google para ver se aprendo a fazê-lo em um site "livre".
    http://eugeniaamaral.blogspot.com/
    Beijos. Eugênia

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