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Este deverá ser um espaço onde amigos compartilhem suas criações e as discutam. Se desejar entre em contato para discutirmos o desenvolvimento do blog e participações. delbenbr@hotmail.com

terça-feira, 31 de março de 2009

Tolo coração

A Saudade faceira provocou o juvenil coração para uma corrida através do tempo. Por não compreender o tempo e a Saudade, o tolo coração aceitou rapidamente sem saber que perderia se ganhasse, empatasse ou perdesse tal maligna corrida. De início a jovem Saudade partiu célere na frente e tomou distância. O jovem coração ficou vendo-a se distanciar imaginava como seria o caminho por onde estava passando a Saudade e fantasiava como seria bom o caminho do futuro. Sentiu então saudades do porvir sombreando o tempo presente. Mas o jovem coração se fortaleceu durante a corrida e foi alcançando a Saudade tornando presentes os tempos futuros por onde a Saudade passara. Quanto mais próximo chegava mais saudades sentia, mas agora, do tempo presente. O tempo presente não era o que imaginara e ele sentiu saudades do tempo presente que havia sonhado sombreando novamente o tempo presente. Como a Saudade foi envelhecendo, a ultrapassou num certo momento e ficou imaginando a Saudade percorrendo os caminhos por onde ele passara e a Saudade na distância coloria a paisagem do tempo passado e ele passou a sentir saudades do passado. E isto sombreou novamente o tempo presente. O tolo coração lamentava entre gemidos – Ai coração! Como sou tolo por nunca estar!
José Renato, 31/06/2009

domingo, 29 de março de 2009

EXATIDÃO

Matemática maravilhosa
um mais um mais que dois
um menos um maior que um.

Matéria fantástica
Do que se tira aumenta
O que se põe multiplica

Mágica etérea
A Música produz Silêncio
O silêncio ensurdece

Final enigma
A multiplicidade esvanece
A unidade preenche o universo


José Renato, 29/03/2009

quarta-feira, 25 de março de 2009

O Porcex


Durante um breve instante, pensei ter estado em uma viagem alucinógena. Parecia estar contente por ter feito amizade com um porco voador. Tudo estava fora de si. Eu estava fora de mim, o porco também estava fora de si. Tinha uma doninha - apesar de não saber o que é uma doninha - que também estava fora de si.
Não sei se o que vi era o porco em si, ou apenas o que estava fora do porco, pois o porco estava fora de si. Deveria ser o fora de si, pois, como não conheço doninhas, não podia ser uma doninha de verdade.
Esqueça a doninha, estávamos falando do fora de si do porco. Chamemo-lo de “Porco externo” ou “Porcex”. Como dizia, o Porcex estava impressionado com a notícia que acabara de ler: “EXTRA! EXTRA! Canibal vegetariano devora planta carnívora”.
“O que significa essa frase?” – indagou o porco. Parecia não fazer sentido. Apesar de que ela parecia ser real. Também não fazia mesmo sentido um porco ler uma notícia. Mas não esqueçamos de que era o Porcex.
Um porco externo possui algumas características, ou melhor, não possui algumas características: ele é privado de suas partes corpóreas, ou seja, não possui toucinho, nem paleta, nem pernil, nem costelinhas, nem orelhas e nem pés; os 4 pés. Porco tem mão? Bom, não importa, porque o Porcex não tem mão mesmo. Mas uma coisa muito boa mesmo dos porcex’s e que eles podem ler notícias. Ah! Eles também podem voar, já que era um porcex voador.
Mas tão logo pude pensar no significado da notícia, a viagem acabou e o Porcex sumiu, a doninha também.
Quando retornei para dentro de mim restaram algumas questões: O que significava aquela notícia? Por que o porco podia voar? E o que, diabos, é uma doninha?
Comecemos pelo o que é uma doninha? Doninha é um mamífero, carnívoro, da família dos mustelídeos e seu nome científico é Mustela nivalis. Ela é encontrada em toda a Europa e Ásia e norte da África. Ela pode ter de 20 a 42 cm de comprimento e pesar de 30 a 80g. Os dejetos têm pequenas dimensões e são geralmente compridos e retorcidos, sendo muitas vezes depositados em cima de muros de pedra ou sob a vegetação. Parece um furão, penso que são da mesma família.
Acredito que o significado da notícia está intimamente relacionado com o fato de que o porco podia voar. Veja bem, o Porcex era não-corpóreo, não tinha imagem, logo, não poderia vê-lo voando. Por outro lado, eu também era um ser não-corpóreo, portanto, não tinha olhos, logo.... bom, logo, não poderia ver. Porém era uma alucinação minha, não tinha a mínima intenção de fazer algum sentido lógico. E é aí que mora a relação com o significado da notícia.
Isso significa que estou ficando louco.


Luiz Felipe Plaça,
25/03/2009

quinta-feira, 19 de março de 2009

ZEN MOSQUITOS

Havia um homem com uma nuvem de mosquitos ao seu redor. Ele abanava as mãos insistentemente para espantá-los. Sem sucesso levava inúmeras picadas irritantes pelo corpo todo. Estava a uma eternidade neste trabalho de Sisifo. Num momento ele compreendeu e então não havia mais mãos, nem corpo e nem mosquitos.
José Renato, 19/03/2009

segunda-feira, 16 de março de 2009

A VIAGEM

Ele rezara por sabedoria, durante muitos anos assim o fizera. Muitos pediam dinheiro, saúde, mulheres e sucesso, ele também pedira a Deus todas estas coisas, mas apenas como acessórias. O que o incomodava era a profunda ignorância de todos os homens sobre todas as coisas. Muito mais tarde, quando estava prestes a entrar na adolescência, descobriu que o motivo de suas preces era o medo. Possuía um medo insano da morte, mas principalmente do depois da morte. Tinha medo da finitude e também da infinitude, do temporário e da eternidade e não sabia do que mais tinha medo, pois todas as opções lhe pareciam inadequadas. Leu, estudou e pensou muito, mas não chegava a arranhar o véu de mistério que ocultava todas as coisas.
Houve uma época que passou a orar a Deus para que este lhe enviasse um sinal de sua existência ou de não existência. A sua parte racional, até que não desprezível, não intervia para fazer cessar este pensamento absurdo. Como é que um Deus que não existia poderia enviar uma mensagem dizendo que não existia? Seu comportamento e seu pensar deixaram de ser equilibrados, se um dia já houvessem sido, para serem completamente emocionais.
Um dia, a bem da verdade uma noite, desesperado com a injustiça de possuir a faculdade de perceber a sua mortalidade e o seu tamanho relativo em face da infinitude do universo orou de maneira quase raivosa exigindo uma resposta. Isto era uma total insanidade. Adormeceu sem nenhuma esperança de obter respostas para suas perguntas, mas naquela noite teve um sonho.
Sonhou que estava escuro, daquela escuridão total que percebemos quando acordamos no meio da noite com todas as portas e janelas fechadas e não temos noção nem de em qual direção está a parede mais próxima. Estava completamente perdido e desorientado. Então sentiu que ao seu lado estava algo ou alguém com um propósito para ele e que o transmitia de forma não verbal. Ou seja, sem palavras, mas ambos sabiam a intenção e o propósito do outro. Foi então transportado vertiginosamente para outro lugar, lugar este não tão escuro quanto o anterior, mas acinzentado e com uma atmosfera que confundia sua percepção visual do seu entorno. Sabia apenas, ou pensou saber, que estava muito acima da superfície terrestre, pois parecia perceber a curvatura terrestre. Neste lugar, e então, pode expressar de maneira coordenada suas dúvidas, mas ainda de maneira não verbal. Novamente começou a se mover, desta feita de maneira vertiginosa, através de uma região nebulosa. Quando se diz nebulosa não quer dizer cheia de nuvens como usualmente são pensadas, mas num ambiente cheio de uma névoa que parecia originar-se principalmente de uma distorção ótica da atmosfera. O ambiente foi ficando cada vez mais claro até que se viu em uma região totalmente vazia do espaço e podia enxergar estrelas como se o céu noturno de uma noite muito límpida o envolvesse por todos os lados. Isto tudo se passou de maneira muito rápida. Finalmente percebeu que estava próximo de um sistema contendo três astros de mesmo tamanho orbitando esfericamente em torno de um centro comum, que poderiam ser estrelas, irradiando luz intensamente, mas esta luz não feria os olhos nem ofuscava a vista. Cada estrela era de cor diferente, mesmo a memória começando a falhar e não podendo mais jurar sobre isto, acreditava que as estrelas eram amarela, azul e rosa. A bem da verdade as cores não pareciam ter importância ou significado especial e a única relevância delas era serem muito relaxantes.
Em presença deste sistema trino de estrelas foi compelido a expressar novamente suas dúvidas e angústias. Passou então a receber ensinamentos agora verbais durante um tempo que não pode precisar, mas cujo conteúdo não era mais que os conceitos de amor e caridade sob diversas formas comuns às religiões terrestres. Então, de maneira bastante mal educada e bem ríspida da qual se envergonharia se o fizesse com outro ser humano, interrompeu o fluxo de conhecimentos. E disse, aproximadamente e de maneira um pouco mais ríspida do que se pode contar, que aquilo já estava careca de saber e que gostaria de saber se possuía alma que sobreviveria a sua morte física, e mais, como tudo morre, mesmo estrelas e galáxias, se sobreviveria à morte do universo. Neste momento fez-se um silencio bastante profundo, sua atenção foi dirigida para uma região do espaço em que uma massa de estrelas se expandiu subitamente e as estrelas na periferia simplesmente sumiram. Ele ouviu uma voz que dizia: nem mesmo eu sei se sobreviverei a isto.
Ele então sentiu uma calma e resignação muito grande e iniciou o percurso de volta numa velocidade tão vertiginosa quanto antes. Quando entrou na região de distorção visual olhou para trás para observar as três estrelas e não pode vê-las na sua forma original. Conforme mexia a cabeça procurando uma visão mais clara, via ora totens tribais, ora deuses hindus, deuses gregos, um ancião de barbas longas e brancas e inumeráveis outros deuses. Ficou extremamente surpreso e pensou então: são todas visões distorcidas de uma mesma realidade inatingível pelo intelecto humano. Em seguida acordou.
José Renato J. Delben 2005

domingo, 8 de março de 2009

Absurdos

Os dois amigos já estavam conversando ha algum tempo quando a conversa se tornou etérea.
Zé Renato - Voce ficou estranho de repente, o que foi?
Luiz Felipe - É que estive com os guardas da fronteira, além do limite do infinito.
Zé Renato -O infinito é um ponto, ponto final.
E pensando um pouco diz - Tudo é finito no infinito, também.
Luiz Felipe - A não ser o mito que o limita.
Zé Renato - Porque o mito é uma refração da Luz Absoluta na névoa da mente.
Ai o Luiz ficando mais parecido ainda com um daqueles quadros escorridos de Dali e com os olhos parecendo olhar cada um para um lado diz - Zé, é melhor a gente ir embora, acho que já bebemos demais.
E sairam pisando na calçada pavimentada com constelações. O diabo é que elas não ficavam paradas!

terça-feira, 3 de março de 2009

O TESOURO

Na casa de sua avó tinha um tesouro. Na verdade havia muitos tesouros, mas este foi o principal por muito tempo. Era um tesouro tão fascinante que não seria mais valioso se contivesse jóias e dinheiros. Mas como ele descobrira este tesouro e que fim levou?
Ele o descobriu porque ia muito à casa de sua avó e era xereta como qualquer criança, mexia em tudo o tempo todo. Nesta época, em sua tenra infância, gostava de ir lá especialmente no inverno porque na ampla cozinha de sua avó tinha um fogão à lenha com uma chapa de ferro enorme e um forno que sempre espantava o frio. Mas gostava sempre de ir lá porque o fogão era uma fonte inesgotável de coisas deliciosas. Num dia eram sonhos, no outro eram bolinhos de chuva, massas fritas de pastéis com açúcar e canela, pastéis de banana, cucas, pães de centeio e de milho e, enfim, uma variedade de outras coisas. Mesmo que não fossem feitos especial e necessariamente para ele, se estivesse lá aproveitaria. Ele lembra até hoje de algumas tardes em que sua avó o levava para o pátio de lenha e descascava laranjas e canas e fatiava melancias para ele. Aquelas frutas tinham um sabor especial, eram melhores e mais saborosas que as que ele mesmo descascava, tinham também um sabor de avó. Ah, não se pode esquecer que bolachas de natal dentre outras eram preparadas naquela cozinha.
Mas, e o tesouro? O tesouro estava numa gaveta da mesa da cozinha. Esta mesa era retangular e de uma simplicidade interiorana. O tampo era feito de tabuas justapostas lado a lado sem nenhum enfeite e do lado sob este tampo havia a gaveta. Na gaveta sua avó guardava os instrumentos especiais da cozinha: forminhas de empadinhas, cortador de massa de pastel, tesoura, formas de cortar bolachas em forma de bonecos, de bichos e estrelas e muito mais. Eram utensílios daqueles antigos, com consistência, peso, forma. Quanta mágica, fascinação e afeto havia naqueles objetos! Se sua avó saia da cozinha ou se virava lá ia ele mexer na gaveta e brincar. Aqueles objetos tão prosaicos, tão simples, eram bens preciosíssimos para ele. Nos momentos em que tocava neles sentia-se num mundo mágico, confortável, aconchegante e pacífico. O mundo brilhava e se tornava mais morno.
O que havia naqueles objetos para que fossem considerados tão preciosos? Ele não sabia explicar, nem tentava ou precisava. Para ele eram preciosos e ponto, acabou. Porque, mesmo que ele não soubesse então, eram os instrumentos mágicos de confecção de tantas delícias tais as varinhas mágicas das fadas e das bruxas boas. E estas delícias eram a expressão gulosa do amor de sua avó. Tudo naquela cozinha cheirava, coloria, brilhava e soava carinho e dedicação e, até mesmo, paciência necessária para aturar aqueles netos traquinas.
Com o tempo aquela coleção de bugigangas foi diminuindo, diminuindo, até restarem pouquíssimas peças. Algumas se desgastaram com o uso e outras foram perdidas pelos netos. No fim eles acabaram se tornando objetos comuns e perderam todo o encanto. Mas o tesouro foi crescendo com o tempo até ficar além de qualquer avaliação. As dádivas daquela casa foram se multiplicando enquanto ele crescia. Algumas vezes eram um refugio para leitura em paz e silêncio, outras vezes um café da tarde surrupiado, um ponto de partida para caçadas com amigos, ou o primeiro emprego arranjado por seu avô. Mas, sempre em todos os tempos a orientação espiritual da sua avó, um espírito muito sofrido, mas muito forte. No avô nunca houve uma palavra áspera para ele, mesmo quando freqüentemente tomava dele o estilingue que com tanta dificuldade era construído.
Ambos os avós eram espíritos muito fortes e nada neles era pequeno, qualidades ou defeitos, mas principalmente o amor. O amor nunca era negado ou rejeitado mesmo que fosse ofertado de maneira torta ou pouco merecido.
Quando já adulto ficou conhecendo a história de vida de seus avós e a tremenda luta pela redenção travada por eles e as enormes vitórias conseguidas mesmo que a guerra ainda estivesse longe de ser ganha. O tesouro dos exemplos de oportunidades perdidas, do não voltar do tempo e de que o que passou não pode mais ser mudado ou consertado.
Naquela casa havia um tesouro e este eram seus avós. Hoje eles estão procurando seus tesouros em outras realidades e o menino se sente muito mais pobre. Só lhe resta o tesouro da lembrança.