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Este deverá ser um espaço onde amigos compartilhem suas criações e as discutam. Se desejar entre em contato para discutirmos o desenvolvimento do blog e participações. delbenbr@hotmail.com

domingo, 22 de agosto de 2010

Óbvios

Um bom omelete se faz quebrando alguns óbvios.

José Renato
22/08/2010

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Bonsai

Ontem aniversariei. Fiz tantos anos que possuo uma grande paisagem para apreciar pela qual atravessou meu caminho, já bem maior que a paisagem que vejo adiante. Sou mais afeito hoje a pensar e repensar o caminho do passado e os caminhos do futuro. Acho que é da idade. Mas....
Um grande amigo não trouxe vinhos desta vez, que teria aberto no ato e apreciado com amigos e amigas comungando nossas vidas e caminhos. Trouxe-me um bonsai. Que lhe deu para me presentear com isto? Adoro jardins, mas não cuido deles e um bonsai precisa de cuidados especiais. E especialmente nem de mim cuido bem. Só serviu para demonstrar o seu apreço e provocar coceiras no orgão pensante. Me “garrei” pensando na miséria daquele ser vivente e na sua contraparte plantada no quintal.
Aquela planta era o simbolo perfeito de dedicação disciplinada à estética. Havia muito amor à arte naquilo, mas pouco amor à planta em sí. Tinha sido escolhida com muito cuidado e apreço e era uma peça de beleza rara. Pequenina, saia de um pequeno torrão de terra em forma de uma miniatura de monte coberto com musgo. Retorcia-se em curvas elegantes até gerar minusculos galhos floridos também graciosamente curvados. O artista guiou seu desenvolvimento rigorosamente para simular a falta de simetria da natureza, mas tornando-a elegante e bela. Contrariou todos os potenciais inatos daquele ser para torná-lo mais perfeito do que seria. Via-se claramente que era artificial
A mangueira da mesma espécie e idade do bonsai plantada no quintal, por outro lado, é enorme e cresceu como quis. Todo ano “suja” o quintal com folhas, flores ou frutos caidos. Estes resíduos do seu crescimento e fertilidade se decompõem, cheiram e atraem insetos e pássaros. Estamos sempre em risco de receber uma manga na cabeça e, mais raramente, um galho se o dia for ventoso. Está sempre nos dizendo: cuidado comigo. Mas, quando é época de nos dizer o quanto é generosa se carrega de frutos e nos dá mais do que podemos receber. Cresceu como quis e faz o que quer, até uma calçada tentou levantar e tivemos que reprimi-la com ferramentas. Abusada e cheia de personalidade, dá trabalho. Faz sombra também sobre musgos, como o bonsai, mas também sobre nós e sobre outras plantas. Abriga pássaros, insetos e pequenos animais. É rica em defeitos e qualidades, mas uma qualidade posso garantir que não possui: a estética.
É certo que teve que ser podada algumas vezes, mas só se os galhos estivessem crescendo para qualquer lado que a prejudicasse ou aos outros moradores da casa. E isto sem cuidados especiais, cortava-se e pronto. Certo também que teve que ser regada e adubada em sua fase inicial de crescimento. Depois que cresceu virou-se sozinha. Água teria que vir das profundezas do solo, luz das alturas do céu, podas da generosidade do vento. Mas todo o seu potencial foi deixado realizar-se mesmo que crescesse certo aqui e torto ali, como devia ser. A falta de solo de um bonsai a torna raquitica, pobre, inválida, perfeita.
O que faz alguém preferir uma pequena árvore? O medo do seu tamanho potencial, e isto é fragilidade? A preferência por um trabalho criativo que a faz apreciar a sua própria criatividade e não a da planta, e isto é egoísmo? O prazer de moldar a natureza segundo sua própria vontade, e isto é prepotência? O gosto exclusivo pela beleza pura, e isto é descuido?
Não sei o porque, mas me dá uma pena enorme.

José Renato 09/07/2010

domingo, 9 de maio de 2010

Num dia é assim,
n'outro é assado.
Num dia é afim,
n'outro, passado.

José Renato, 09/05/2010

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Há brilhos

No meu olhar há brilhos. Há brilhos de infância, de juventude fora dos trilhos em paixões e ansias, de entusiasmo juvenil pela conquista intelectual do mundo, de paixões mais densas e vermelhas de homem e amor vibrante, de sonhos loucos de maturidade e amores calmos contraditando e de entendimentos e revoltas, e de tantas coisas que fazem vibrar o coração, a mente e a alma de um homem.
Hoje, no meu olhar, há brilhos mais intensos que nunca. São aumentados por pequenas lentes líquidas formadas pela consciencia dos fracassos e uma tristeza infinita, que magnificam todas as dores e prazeres de uma vida.
Agora, até nas minhas faces há fios de luz perturbados por escuridão. São correntes que lavam e trazem para fora partes da minha Sombra.

José Renato
02/04/2010

quinta-feira, 4 de março de 2010

Beleza

Há a beleza! Vemos um por do sol colorido de dar dó de sua brevidade e pensamos que é uma benção de Deus ou da natureza. Um campo florido, ainda mais se cultivado, gera extases e achamos ser uma dádiva. Ao contrário se há secas ou enchentes, tempestades, frios e calores em excesso achamos que é castigo pela maldade humana e há feiura. Nascimento é belo e morte é feia, mas vida é nascimento e morte.
Tudo é absolutamente belo porque a finalidade de tudo é para que apenas Um se divirta. Basta definir este Um. Clarice disse algo parecido com: se formos felizes, e depois? Há o que? Há que mudar tudo o tempo todo. E o Homem?! Bah, o Homem!
José Renato 04/03/2010

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Hoje me dói

Verifico que, tantas vezes alegre, tantas vezes contente, estou sempre triste.

Não há sossego - e, ai de mim!, nem sequer há desejo de o ter.

Fernando Pessoa - Bernardo Soares



Hoje me dói.
Me dói uma dor que dói em mim.
E não sou mais que isto.
Dói tamanho que nem sei.
Há uma fratura.
Tão eu que há abismo.
Ninguém mais há,
Deus há a distância.
Deserto. E Oásis eu não sou.



José Renato Delben, 18/02/2010

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Coração tapera

Uma tapera não tem trinco, não tem tramela nem cadeado. Tem frestas, buracos pelas quais o sol e a lua desenham arabescos no chão e paredes. É uma morada maravilhosa para o que é livre e incontido, como o vento que hora repousa hora corre célere. Que melhor lugar para o precioso morar que num coração tapera. Tão pobre que não possui brilhos além daqueles do sol e da lua. Que não tem adornos. Que deixa vazar e extravazar para dentro e para fora seus tesouros

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Onde?

Longe
tão longe de nós.
talvez entre as nuvens da INCERTEZA.
Lia Noronha




Ele estaria nas entrelinhas? No espaço em branco entre os quadrinhos das revistas? No vazio entre uma emoção e outra? No silêncio entre duas notas? Na chama de uma vela que acabou? No final de um suspiro? Dançando com um saci no meio do redemoinho? Onde???

José Renato
09/11/2009

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Geométrico

Ele estava sonhando, só poderia estar sonhando. Quando fora dormir estava tão deprimido em decorrência dos problemas cotidianos que tivera dificuldade para pegar no sono. Como podiam as pessoas arranjar tantos problemas e se digladiarem tanto por tão pouca coisa? Por mais que tentasse compreender não conseguia. Dormira e agora estava em uma paisagem estranha e impossível. Estava em uma praia de areias claras, mas não brancas, que tomava toda a extensão de uma baía bastante larga. A areia se estendia terra adentro por grande extensão num aclive muito suave e se transformava gradativamente num campo gramado que se perdia de vista até começar uma cadeia de serras azuladas pela distância. As cores e formas eram muito realçadas: o mar e o céu azuis, a areia creme, a relva verde e as montanhas azuis acinzentadas eram mais azuis, verdes ou claras que qualquer outra paisagem que havia visto.
Uma pequeníssima comunidade de casas muito brancas, quase todas aproximadamente cúbicas, com arestas bem definidas, se situava sobre o imenso relvado. Aquelas pequenas casas, todas térreas, pareciam não construídas, mas sim, recortadas de um bloco maciço formando um conjunto de aspecto uniforme. Mesmo as portas e janelas possuíam cantos, sem batentes, bem definidos. Não havia ninguém pelas ruas e eram muito estranhas aquela quietude e imobilidade universal sob um sol muito claro em um céu sem nuvens. Não havia nem vento nem pássaros. Senti-me em grande paz, numa alegria luminosa, conferida por uma luz natural que não feria os olhos, um ar fino e revigorante e uma temperatura tão adequada que não percebia a própria pele.
Em grande perplexidade e curiosidade percorri um caminho de cascalho branco até uma casa central localizada no que parecia ser uma praça. Esta casa era ligeiramente maior que as demais e poderia tanto ser um templo quanto um centro administrativo. Fui entrando por uma abertura sem porta não maior que as das portas comuns. A casa possuía apenas um ambiente e, assim como no exterior, todas as superfícies apresentavam a mesma cor branca e uma textura totalmente lisa, sem adornos, frisos, rodapés, nada. Assim que entrei presenciei a cena mais estranha que possa me lembrar. No centro da casa havia muitas pessoas. O número exato delas não era possível determinar, devido à própria condição em que se encontravam. Eram pessoas de todas as idades, raças e aparências: todos os tipos humanos estavam ali representados. Era um grupo de pessoas amontoado compactamente e não se via espaço entre elas. Mas não estavam de pé e nem mesmo paradas. Estavam sim amontoadas formando o que parecia ser um novelo e se moviam constantemente de forma que o embolado que formavam nunca tinha a mesma aparência. Aquilo me pareceu tão estranho e confuso que até a clareza geométrica do ambiente parecia ter se perdido pela minha falta de atenção a ela. Procurei então buscar a causa deste comportamento tão insólito e me aproximei um pouco. As pessoas estavam interagindo de todas as formas, mas, principalmente estavam se digladiando, disputando espaço para permanecerem mais à superfície do bolo. Inúmeras delas arranhavam, puxavam, empurravam e mordiam as outras e então percebi que umas acabavam tirando pedaços das outras num processo sem tréguas e sem pausa. De repente uma delas arrancou um olho de outra e com um fio de carne que pendia tentava atar as mãos da outra. Senti enorme horror pela situação, mas, mesmo assim não pude tirar os olhos das pobres criaturas ali presentes. Percebi chocado que não eram pessoas especiais ou incomuns, eram pessoas normais ali representadas. Não eram nem boas nem más segundo o senso comum e estavam ali vivendo simbolicamente suas vidas cotidianas.
Depois de ter visto tanta beleza e paz no caminho até aquele ambiente, o que proporcionara alívio e serenidade para minha alma tão torturada, não era justo presenciar aquela cena. A que me servia ter presenciado tanto horror e tristeza? Por que, meu Deus, tanto caos e despropósito na vida humana? A que atendiam nossos instintos reptilianos, nossas emoções de mamíferos e nossa pretensa razão humana se estavam a serviço desta eterna guerra despropositada? Quis sair dali, fugir, e não pude. Um torpor em minhas pernas e uma fixação forçada da minha atenção me obrigaram a continuar presenciando aquela cena dantesca. Para meu horror as pessoas começaram a ficar descarnadas e pedaços eram arrancados, lançados para fora do bolo e desapareciam. Por fim até os ossos foram lançados fora. O processo foi chegando ao fim e as pessoas foram desaparecendo, mudando de aparência na realidade, e ficaram agrupadas suspensas no ar inúmeras formas geometrias planas, ligeiramente luminosas e transparentes. Havia triângulos, círculos, elipses, quadrados, etc. de todas as cores e tamanhos em eterno movimento se tocando e colidindo. Agora não mais tiravam pedaços umas das outras, mas sim, sons puros e cristalinos de diversos timbres quando se entrechocavam suavemente. Uma suave melodia pairava no ar devido aos choques entre elas. Não uma melodia usual, mas aleatória e ao mesmo tempo regular, indefinível na realidade.
Até hoje não entendo o sonho que tive, mas me vem uma imagem Ele estava sonhando, só poderia estar sonhando. Quando fora dormir estava tão deprimido em decorrência dos problemas cotidianos que tivera dificuldade para pegar no sono. Como podiam as pessoas arranjar tantos problemas e se digladiarem tanto por tão pouca coisa? Por mais que tentasse compreender não conseguia. Dormira e agora estava em uma paisagem estranha e impossível. Estava em uma praia de areias claras, mas não brancas, que tomava toda a extensão de uma baía bastante larga. A areia se estendia terra adentro por grande extensão num aclive muito suave e se transformava gradativamente num campo gramado que se perdia de vista até começar uma cadeia de serras azuladas pela distância. As cores e formas eram muito realçadas: o mar e o céu azuis, a areia creme, a relva verde e as montanhas azuis acinzentadas eram mais azuis, verdes ou claras que qualquer outra paisagem que havia visto.
Uma pequeníssima comunidade de casas muito brancas, quase todas aproximadamente cúbicas, com arestas bem definidas, se situava sobre o imenso relvado. Aquelas pequenas casas, todas térreas, pareciam não construídas, mas sim, recortadas de um bloco maciço formando um conjunto de aspecto uniforme. Mesmo as portas e janelas possuíam cantos, sem batentes, bem definidos. Não havia ninguém pelas ruas e eram muito estranhas aquela quietude e imobilidade universal sob um sol muito claro em um céu sem nuvens. Não havia nem vento nem pássaros. Senti-me em grande paz, numa alegria luminosa, conferida por uma luz natural que não feria os olhos, um ar fino e revigorante e uma temperatura tão adequada que não percebia a própria pele.
Em grande perplexidade e curiosidade percorri um caminho de cascalho branco até uma casa central localizada no que parecia ser uma praça. Esta casa era ligeiramente maior que as demais e poderia tanto ser um templo quanto um centro administrativo. Fui entrando por uma abertura sem porta não maior que as das portas comuns. A casa possuía apenas um ambiente e, assim como no exterior, todas as superfícies apresentavam a mesma cor branca e uma textura totalmente lisa, sem adornos, frisos, rodapés, nada. Assim que entrei presenciei a cena mais estranha que possa me lembrar. No centro da casa havia muitas pessoas. O número exato delas não era possível determinar, devido à própria condição em que se encontravam. Eram pessoas de todas as idades, raças e aparências: todos os tipos humanos estavam ali representados. Era um grupo de pessoas amontoado compactamente e não se via espaço entre elas. Mas não estavam de pé e nem mesmo paradas. Estavam sim amontoadas formando o que parecia ser um novelo e se moviam constantemente de forma que o embolado que formavam nunca tinha a mesma aparência. Aquilo me pareceu tão estranho e confuso que até a clareza geométrica do ambiente parecia ter se perdido pela minha falta de atenção a ela. Procurei então buscar a causa deste comportamento tão insólito e me aproximei um pouco. As pessoas estavam interagindo de todas as formas, mas, principalmente estavam se digladiando, disputando espaço para permanecerem mais à superfície do bolo. Inúmeras delas arranhavam, puxavam, empurravam e mordiam as outras e então percebi que umas acabavam tirando pedaços das outras num processo sem tréguas e sem pausa. De repente uma delas arrancou um olho de outra e com um fio de carne que pendia tentava atar as mãos da outra. Senti enorme horror pela situação, mas, mesmo assim não pude tirar os olhos das pobres criaturas ali presentes. Percebi chocado que não eram pessoas especiais ou incomuns, eram pessoas normais ali representadas. Não eram nem boas nem más segundo o senso comum e estavam ali vivendo simbolicamente suas vidas cotidianas.
Depois de ter visto tanta beleza e paz no caminho até aquele ambiente, o que proporcionara alívio e serenidade para minha alma tão torturada, não era justo presenciar aquela cena. A que me servia ter presenciado tanto horror e tristeza? Por que, meu Deus, tanto caos e despropósito na vida humana? A que atendiam nossos instintos reptilianos, nossas emoções de mamíferos e nossa pretensa razão humana se estavam a serviço desta eterna guerra despropositada? Quis sair dali, fugir, e não pude. Um torpor em minhas pernas e uma fixação forçada da minha atenção me obrigaram a continuar presenciando aquela cena dantesca. Para meu horror as pessoas começaram a ficar descarnadas e pedaços eram arrancados, lançados para fora do bolo e desapareciam. Por fim até os ossos foram lançados fora. O processo foi chegando ao fim e as pessoas foram desaparecendo, mudando de aparência na realidade, e ficaram agrupadas suspensas no ar inúmeras formas geometrias planas, ligeiramente luminosas e transparentes. Havia triângulos, círculos, elipses, quadrados, etc. de todas as cores e tamanhos em eterno movimento se tocando e colidindo. Agora não mais tiravam pedaços umas das outras, mas sim, sons puros e cristalinos de diversos timbres quando se entrechocavam suavemente. Uma suave melodia pairava no ar devido aos choques entre elas. Não uma melodia usual, mas aleatória e ao mesmo tempo regular, indefinível na realidade.
Até hoje não entendo o sonho que tive, mas me vem uma imagem de pedras de rio, aquelas dos rios cristalinos que se tornam lisas por rolarem umas sobre as outras pela ação da correnteza de um rio que canta eternamente um hino de adoração ao fluir e ao transformar.
José Renato
2008

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

DEFICIENTE

     Sempre fui deficiente. Deficiente de coragem e abundante em medo. Tive medo do escuro e seus monstros imaginários, medo da morte e seus mistérios e horrores, medo da escola na figura dos outros, medo da rejeição dos amigos e namoradas, dos primeiros e últimos empregos, do fracasso, medo do todo e medo do nada.
 
     Sempre fui deficiente. Deficiente de sabedoria e bom senso. Julguei errado as pessoas e situações. Adotei posturas e ações equivocadas e tolas. Falei muita tolice quando pretendi falar sério. Tomei muitas vezes o caminho errado julgando ser o certo.
 
     Sempre fui deficiente. Deficiente de inteligência. Percebi mal o mecanismo do mundo. Interpretei mal as ações das pessoas e seus sentimentos. Modelei errado o meu papel no mundo. Todos os frutos do meu pensamento foram obtidos com enorme dificuldade e foram frustrantes.
 
     Sempre fui deficiente. Deficiente de sentimentos. Sempre procurei o amor dos outros e nada achei. Desconsiderei o meu guardado onde nenhum outro alcança e acessa. Confundi todos os tipos e espécies de amor, troquei uns pelos outros. Troquei a sua plenitude pelo vazio da fome.
 
     Sempre fui proficiente. Abundante em más ações e piores reações. Rico em mágoas remoídas, mastigadas e guardadas avaramente. Repleto de desejos e anseios malsãos. Cheio de vícios e compulsões. Sempre célere em julgar, sentenciar e penalizar.
 
     Hoje que sei o que fui, o que sou e talvez o que serei não consigo me colocar acima do mais baixo dos seres humanos. Busco, com sucesso relativo, dar o braço ao sujo e ao roto para andarmos juntos. E não sei mais quem está ajudando quem.

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José Renato, 21/08/2009

terça-feira, 28 de julho de 2009

Não poema e não prosa

I piccoli poveri di Assisi desejou tanto a pobreza que esta se tornou o seu inestimável tesouro. Beijou de maneira neurótica o leproso na boca. A dúvida me atormenta. O que é a verdadeira pobreza que nos aproxima do amor? A pobreza ostenta a pobreza? Um verdadeiramente pobre escreve poesias?


Eu não, eu - 28/07/2009

segunda-feira, 27 de julho de 2009

O mar do amar

O mar me assusta.
Não tem calçada, não tem rua,
não tem onde colocar meus pés.
Se eles flutuam o tempo todo perdem a planta,
somem os solados,
mas não nascem nadadeiras.
O mar do amar não dá pé.
Afundo, bóio, nado.
Mas não sou peixe e logo me canso.
Vim do mar faz tempo,
perdi a memória natatória.
E o mar do amar é fundo,
não dá pé.
Respiro líquido somente no útero materno,
no mar preciso nadar sobre as ondas pra respirar.
Uma contradição.
Como amar sem mergulhar profundo?
Eugênia Amaral

sábado, 25 de julho de 2009

Rei vermelho

Alice nos disse que foi para o inverso,
grande tolice, para explicar o verso.
Sonhou com o Rei com o verso a sonhar
O verso acabar é da lei se o Rei acordar.
Se Alice acorda o inverso finda
e Alice no verso será ainda?
É sonho o que sonha o sonho que sonha?
Meu Deus que ilusão medonha!
O verso e o inverso são um no diverso?
Me expliquei nos meus versos?

José Renato
25/07/2009

The Red King Sleeping (rough draft) por kenneth_rougeau.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Zequinha

Será que todos lembram da primeira grande decepção ou desilusão. Não sei, mas todos mantêm vivida na memória uma grande desilusão que pensam ser a primeira. Zequinha tinha a sua.
Zequinha fora sempre um menino muito sonhador, sempre às voltas com seus livros de contos de fadas e depois de aventuras juvenis. Não era muito falante ou comunicativo vivendo em um mundo muito particular. A não ser as turras com irmãos e pais pouco falava. Se falava era apenas o trivial para pedir ou reclamar de coisas. Se precisasse conversar, não conversava. Lembra-se até hoje do sentimento predominante durante um período determinado de sua infância, solidão. Por outro lado, sempre acabava brigando com todo e qualquer um que invadisse o seu espaço particular.
Certo dia, num domingo, foi com seus pais para o sítio de um seu tio-avô que ficava na periferia da cidadezinha na qual havia nascido. Isto se deu quando ele tinha seus dez anos de idade, tanto quanto podia lembrar. Nestas ocasiões seus avós e vários tios e tias-avós bem como tios, tias e primos se reuniam em grandes almoços barulhentos em torno de uma grande mesa composta de tábuas sobre cavaletes dentro de um galpão. Como o número de irmão e irmãs dos avós era muito grande era óbvio que muitas avós compareciam ao almoço e ajudavam na preparação da comida. A mesa posta apresentava uma fantástica quantidade e variedade de comida da vovó do sítio. Enquanto as mulheres trabalhavam na cozinha os homens matavam e depenavam galinhas, angolas e patos; matavam porcos, pelavam e descarnavam preparando lingüiças, chouriços, etc. E, enquanto faziam isto, bebiam suas cervejas e suas pingas de tal forma que bem antes do almoço começar já todos estavam falando alto coisas pouco sérias e rindo muito.
As crianças tinham que não atrapalhar e, portanto, não tinham muito que fazer. Zequinha não podia se lembrar de muitas ocasiões em que havia outras crianças para brincar. Não possuía nenhum primo ou prima de sua idade no ramo da família destes seus avós. Ele invariavelmente sentia-se muito solitário. Ficava zanzando por perto da casa porque também não tinha permissão para se afastar muito já que por mais prosaico que seja um sítio sempre há coisas perigosas para uma criança pequena. Ele ficava observando os animais, as coisas e locais do sítio sempre fascinado por tudo.
O sítio ficava em uma encosta suave e parte do topo de uma pequena colina. A casa, o galpão, a pocilga, as construções enfim, ficavam quase no topo da colina quando o terreno começava a ficar plano. A pocilga, o local de ordenha das vacas, a pequena coberta onde se matavam, escaldavam e pelavam porcos ficavam na parte de trás da casa na direção de colina abaixo. Logo em seguida vinha o pasto bastante extenso para ambos os lados e que acabava no final da encosta em um pequeno rio margeado por uma mata. Mas o que mais chamou a atenção de Zequinha naquele dia foi o campo de cultivo que se situava à esquerda da casa distante uns duzentos metros e logo após uma pequena plantação de eucaliptos. Ele passou parte da manhã a olhar aquele campo admirando a sua beleza.
No campo existia uma plantação de alfafa de um verde azulado tão homogêneo e fechado que mais parecia um tapete imenso de rara beleza. Quando batia o vento ligeira ondulação percorria todo o campo formando figuras variáveis e muito bonitas. Na inocência dos seus dez anos Zequinha passou a imaginar-se correndo e se jogando sobre o solo coberto com tão magnífica cobertura. Quão maravilhoso não seria sentir-se sobre aquela maciez verde. Deveria ser como andar sobre nuvens sem sentir a aspereza do solo, a secura da terra. Seria o paraíso viver naquela perfeição. Teve fé pela primeira vez na vida na existência do paraíso e, ainda por cima, aqui na Terra.
Tão desejoso ficou de vivenciar o seu sonho que esperou todos dormirem depois do almoço e, desobedecendo a seus pais, partiu para explorar aquela parte do sítio. A própria tomada de decisão e realização da caminhada até o campo de alfafa foi uma aventura cheia de mistério. Com o sol a pino e sob um calor intenso caminhou em direção ao manto verde com o coração aos pulos e felicidade antecipada. À medida que se aproximava do local foi percebendo que o verde não era tão homogêneo como imaginava e o princípio de um desconforto se instalou em seu peito. Quando adentrou a plantação viu o solo sob as plantas tão áspero e quente quanto fora dela e os seus pés descalços doíam quando pisava nas plantas que possuíam caules finos e duros. Não foi muito adiante. O vazio e perplexidades que sentia o paralisaram e um pensamento precoce passou pela sua mente: “a perfeição só existe de longe e nunca pode ser alcançada”.
Desde então começou a procurar o campo de alfafa perfeito aonde fosse e com quem estivesse. A partir daí colecionou uma seqüência de desilusões, coisa dispensável se tivesse aceitado a conclusão inicial pelo coração e não somente com o intelecto. Procurou primeiro na sabedoria que perseguiu tenazmente até entender que era por demais falível para adquiri-la. Procurou depois nas religiões até perceber que era por demais crítico para ter fé incondicional. Procurou nas mulheres durante muito mais tempo e mais intensamente que nas demais possibilidades até perceber que a união de dois falíveis não poderia produzir interações perfeitas.
Na juventude se juntou a tribos em cujo convívio todos os enigmas, mistérios, dúvidas, medos e desilusões eram mascarados por conversas ruidosas, músicas cacofônicas ou melódicas em alto volume e festas regadas a cerveja. Os sonhos cor de rosa de romance e aventura com muito sexo, viagens e fartura ainda existiam. Para sempre aqueles jovens diriam que aquela tinha sido a melhor época de suas vidas, mas pensariam secretamente que também a pior de todas. Os sonhos e amores nasciam como espinhas em rosto de adolescentes, no entanto ao contrário destas gerando prazer quando nasciam e frustração quando morriam.
À medida que envelhecia passou a conhecer melhor os amigos e os amores e todos os seus defeitos e insuficiências passaram a ser percebidos; não eram diferentes dos seus. Percebeu que, assim como ele, todos buscavam no outro a fonte de sua felicidade e se esta não se cumpria a culpa era sempre do outro. Os conflitos, as cobranças, se multiplicavam na busca de transformar o mundo num lugar de perfeição pela ação do próximo. Dores, feridas, cicatrizas e desilusões se multiplicaram.
A consciência de sua mortalidade se tornava cada vez mais forte. E a inutilidade daquele tipo de vida se tornava cada vez mais evidente e se viu num beco sem saída. Para seu desespero ninguém tinha resposta para suas angústias, pois estavam no mesmo barco da ignorância. Os jovens de outras tribos, outros costumes e moral estavam cometendo os mesmos erros mascarados sob outras músicas, roupas, brincos e cortes de cabelo. Os mais velhos, quase todos, evidentemente não tinha descoberto o grande segredo.
Um dia alguém lhe falou de uma nova ciência: a ciência da paz, a paciência, que conferia serenidade. Ele procurou então o cientista que inventara esta ciência e um professor que a pudesse ensinar. Mas todos a conheciam mal e de segunda mão, e nenhum a podia praticar perfeitamente. Mas se não havia sábios perfeitamente pacientes como poderia o estado das coisas nas relações coletivas ou particulares ser culpa de alguém e dele inclusive? Descobriu que o princípio básico desta ciência era perdoar. Perdoar diariamente tudo e a todos, o outro e a si mesmo. Só que ele não sabia perdoar, pelo menos não completamente, e não sabia como aprender a fazê-lo.
A Zequinha restou apenas procurar entender e praticar constantemente e confiar no tempo e no vento das mudanças. Depois de um certo tempo começou a enxergar as pessoas como pés de alfafa formando no coletivo uma grande plantação ondulando sob efeito de ventos às vezes fracos às vezes fortes e que se aprendesse a olhar de maneira mais distante, de um novo ponto de vista, poderia perceber a beleza do padrão. Zequinha ainda não é em paz, mas desde então volta freqüentemente a ser aquele menino sentado na soleira da porta olhando o mundo com suas plantações tão bonitas.
José Renato, 199?