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terça-feira, 3 de março de 2009

O TESOURO

Na casa de sua avó tinha um tesouro. Na verdade havia muitos tesouros, mas este foi o principal por muito tempo. Era um tesouro tão fascinante que não seria mais valioso se contivesse jóias e dinheiros. Mas como ele descobrira este tesouro e que fim levou?
Ele o descobriu porque ia muito à casa de sua avó e era xereta como qualquer criança, mexia em tudo o tempo todo. Nesta época, em sua tenra infância, gostava de ir lá especialmente no inverno porque na ampla cozinha de sua avó tinha um fogão à lenha com uma chapa de ferro enorme e um forno que sempre espantava o frio. Mas gostava sempre de ir lá porque o fogão era uma fonte inesgotável de coisas deliciosas. Num dia eram sonhos, no outro eram bolinhos de chuva, massas fritas de pastéis com açúcar e canela, pastéis de banana, cucas, pães de centeio e de milho e, enfim, uma variedade de outras coisas. Mesmo que não fossem feitos especial e necessariamente para ele, se estivesse lá aproveitaria. Ele lembra até hoje de algumas tardes em que sua avó o levava para o pátio de lenha e descascava laranjas e canas e fatiava melancias para ele. Aquelas frutas tinham um sabor especial, eram melhores e mais saborosas que as que ele mesmo descascava, tinham também um sabor de avó. Ah, não se pode esquecer que bolachas de natal dentre outras eram preparadas naquela cozinha.
Mas, e o tesouro? O tesouro estava numa gaveta da mesa da cozinha. Esta mesa era retangular e de uma simplicidade interiorana. O tampo era feito de tabuas justapostas lado a lado sem nenhum enfeite e do lado sob este tampo havia a gaveta. Na gaveta sua avó guardava os instrumentos especiais da cozinha: forminhas de empadinhas, cortador de massa de pastel, tesoura, formas de cortar bolachas em forma de bonecos, de bichos e estrelas e muito mais. Eram utensílios daqueles antigos, com consistência, peso, forma. Quanta mágica, fascinação e afeto havia naqueles objetos! Se sua avó saia da cozinha ou se virava lá ia ele mexer na gaveta e brincar. Aqueles objetos tão prosaicos, tão simples, eram bens preciosíssimos para ele. Nos momentos em que tocava neles sentia-se num mundo mágico, confortável, aconchegante e pacífico. O mundo brilhava e se tornava mais morno.
O que havia naqueles objetos para que fossem considerados tão preciosos? Ele não sabia explicar, nem tentava ou precisava. Para ele eram preciosos e ponto, acabou. Porque, mesmo que ele não soubesse então, eram os instrumentos mágicos de confecção de tantas delícias tais as varinhas mágicas das fadas e das bruxas boas. E estas delícias eram a expressão gulosa do amor de sua avó. Tudo naquela cozinha cheirava, coloria, brilhava e soava carinho e dedicação e, até mesmo, paciência necessária para aturar aqueles netos traquinas.
Com o tempo aquela coleção de bugigangas foi diminuindo, diminuindo, até restarem pouquíssimas peças. Algumas se desgastaram com o uso e outras foram perdidas pelos netos. No fim eles acabaram se tornando objetos comuns e perderam todo o encanto. Mas o tesouro foi crescendo com o tempo até ficar além de qualquer avaliação. As dádivas daquela casa foram se multiplicando enquanto ele crescia. Algumas vezes eram um refugio para leitura em paz e silêncio, outras vezes um café da tarde surrupiado, um ponto de partida para caçadas com amigos, ou o primeiro emprego arranjado por seu avô. Mas, sempre em todos os tempos a orientação espiritual da sua avó, um espírito muito sofrido, mas muito forte. No avô nunca houve uma palavra áspera para ele, mesmo quando freqüentemente tomava dele o estilingue que com tanta dificuldade era construído.
Ambos os avós eram espíritos muito fortes e nada neles era pequeno, qualidades ou defeitos, mas principalmente o amor. O amor nunca era negado ou rejeitado mesmo que fosse ofertado de maneira torta ou pouco merecido.
Quando já adulto ficou conhecendo a história de vida de seus avós e a tremenda luta pela redenção travada por eles e as enormes vitórias conseguidas mesmo que a guerra ainda estivesse longe de ser ganha. O tesouro dos exemplos de oportunidades perdidas, do não voltar do tempo e de que o que passou não pode mais ser mudado ou consertado.
Naquela casa havia um tesouro e este eram seus avós. Hoje eles estão procurando seus tesouros em outras realidades e o menino se sente muito mais pobre. Só lhe resta o tesouro da lembrança.

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