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segunda-feira, 16 de março de 2009

A VIAGEM

Ele rezara por sabedoria, durante muitos anos assim o fizera. Muitos pediam dinheiro, saúde, mulheres e sucesso, ele também pedira a Deus todas estas coisas, mas apenas como acessórias. O que o incomodava era a profunda ignorância de todos os homens sobre todas as coisas. Muito mais tarde, quando estava prestes a entrar na adolescência, descobriu que o motivo de suas preces era o medo. Possuía um medo insano da morte, mas principalmente do depois da morte. Tinha medo da finitude e também da infinitude, do temporário e da eternidade e não sabia do que mais tinha medo, pois todas as opções lhe pareciam inadequadas. Leu, estudou e pensou muito, mas não chegava a arranhar o véu de mistério que ocultava todas as coisas.
Houve uma época que passou a orar a Deus para que este lhe enviasse um sinal de sua existência ou de não existência. A sua parte racional, até que não desprezível, não intervia para fazer cessar este pensamento absurdo. Como é que um Deus que não existia poderia enviar uma mensagem dizendo que não existia? Seu comportamento e seu pensar deixaram de ser equilibrados, se um dia já houvessem sido, para serem completamente emocionais.
Um dia, a bem da verdade uma noite, desesperado com a injustiça de possuir a faculdade de perceber a sua mortalidade e o seu tamanho relativo em face da infinitude do universo orou de maneira quase raivosa exigindo uma resposta. Isto era uma total insanidade. Adormeceu sem nenhuma esperança de obter respostas para suas perguntas, mas naquela noite teve um sonho.
Sonhou que estava escuro, daquela escuridão total que percebemos quando acordamos no meio da noite com todas as portas e janelas fechadas e não temos noção nem de em qual direção está a parede mais próxima. Estava completamente perdido e desorientado. Então sentiu que ao seu lado estava algo ou alguém com um propósito para ele e que o transmitia de forma não verbal. Ou seja, sem palavras, mas ambos sabiam a intenção e o propósito do outro. Foi então transportado vertiginosamente para outro lugar, lugar este não tão escuro quanto o anterior, mas acinzentado e com uma atmosfera que confundia sua percepção visual do seu entorno. Sabia apenas, ou pensou saber, que estava muito acima da superfície terrestre, pois parecia perceber a curvatura terrestre. Neste lugar, e então, pode expressar de maneira coordenada suas dúvidas, mas ainda de maneira não verbal. Novamente começou a se mover, desta feita de maneira vertiginosa, através de uma região nebulosa. Quando se diz nebulosa não quer dizer cheia de nuvens como usualmente são pensadas, mas num ambiente cheio de uma névoa que parecia originar-se principalmente de uma distorção ótica da atmosfera. O ambiente foi ficando cada vez mais claro até que se viu em uma região totalmente vazia do espaço e podia enxergar estrelas como se o céu noturno de uma noite muito límpida o envolvesse por todos os lados. Isto tudo se passou de maneira muito rápida. Finalmente percebeu que estava próximo de um sistema contendo três astros de mesmo tamanho orbitando esfericamente em torno de um centro comum, que poderiam ser estrelas, irradiando luz intensamente, mas esta luz não feria os olhos nem ofuscava a vista. Cada estrela era de cor diferente, mesmo a memória começando a falhar e não podendo mais jurar sobre isto, acreditava que as estrelas eram amarela, azul e rosa. A bem da verdade as cores não pareciam ter importância ou significado especial e a única relevância delas era serem muito relaxantes.
Em presença deste sistema trino de estrelas foi compelido a expressar novamente suas dúvidas e angústias. Passou então a receber ensinamentos agora verbais durante um tempo que não pode precisar, mas cujo conteúdo não era mais que os conceitos de amor e caridade sob diversas formas comuns às religiões terrestres. Então, de maneira bastante mal educada e bem ríspida da qual se envergonharia se o fizesse com outro ser humano, interrompeu o fluxo de conhecimentos. E disse, aproximadamente e de maneira um pouco mais ríspida do que se pode contar, que aquilo já estava careca de saber e que gostaria de saber se possuía alma que sobreviveria a sua morte física, e mais, como tudo morre, mesmo estrelas e galáxias, se sobreviveria à morte do universo. Neste momento fez-se um silencio bastante profundo, sua atenção foi dirigida para uma região do espaço em que uma massa de estrelas se expandiu subitamente e as estrelas na periferia simplesmente sumiram. Ele ouviu uma voz que dizia: nem mesmo eu sei se sobreviverei a isto.
Ele então sentiu uma calma e resignação muito grande e iniciou o percurso de volta numa velocidade tão vertiginosa quanto antes. Quando entrou na região de distorção visual olhou para trás para observar as três estrelas e não pode vê-las na sua forma original. Conforme mexia a cabeça procurando uma visão mais clara, via ora totens tribais, ora deuses hindus, deuses gregos, um ancião de barbas longas e brancas e inumeráveis outros deuses. Ficou extremamente surpreso e pensou então: são todas visões distorcidas de uma mesma realidade inatingível pelo intelecto humano. Em seguida acordou.
José Renato J. Delben 2005

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